Textos

Quem foi Pátañjali? Por Pedro Kupfer

Quem foi Pátañjali?
Pedro Kupfer

Se dá o nome de Pátañjali ao mítico codificador do Yoga Clássico, autor do Yoga Sútra. Tudo sobre esta figura histórica é um verdadeiro mistério. Para começar, a data em que ele teria vivido é fonte de discrepâncias. Há autores que afirmam que viveu no século IV a.C. e outros que pensam que tenha vivido entre os séculos II e VI d.C. Tamanha diferença se deve, em parte, ao costume que os autores daquela época tinham de atribuir a autoria dos seus próprios trabalhos a outros escritores já consagrados, para homenageá-los ou para dar relevância à própria obra.

Considerando que ele escreveu no estilo dos sútras ou aforismos, pode se considerar que tenha vivido entre os séculos IV e II a.C., pois foi nesse período que este estilo literário conheceu seu auge. O Yoga Sútra é considerado um dos exemplos mais perfeitos do estilo aforístico.

Uma lenda sobre o nascimento do sábio conta que Vishnu estava descansando deitado na serpente de mil cabeças, Ádishesha, quando viu o deus Shiva dançando e ficou extasiado. Imediatamente seu corpo começou a vibrar tanto no ritmo da dança que acabou por provocar um enorme desconforto na serpente. No final da dança, Ádishesha perguntou ao deus o que tinha acontecido. Ao ouvir sobre a dança, o deus-serpente ficou interessado em aprende-la, para dançar para Vishnu. O deus ficou impressionado com a devoção da serpente e disse-lhe que Shiva iria abençoa-lo e que nasceria em sua próxima encarnação como alguém que iria abençoar a humanidade com sua sabedoria.

Ádishesha começou imediatamente a especular sobre quem seria sua mãe. Ao mesmo tempo, uma yoginí muito virtuosa, chamada Goñiká, estava procurando um filho a quem pudesse transmitir a sabedoria que o Yoga tinha lhe dado. Assim, ela se prostrou diante de Súrya, o deus sol, fazendo-lhe a única oferenda que conseguiu, um pouco de água, e lhe pedindo um filho. Vendo a cena, Ádishesha soube que aquela era a mãe que ele estava procurando. Quando Goñiká estava oferecendo a água ao sol, ficou maravilhada ao ver uma pequena serpente que se materializou em suas mãos e começou momentos depois a adquirir forma humana. Ádishesha se prostrou então diante da sua mãe e suplicou-lhe para que o aceitasse como filho. Aceitando-o, ela o chamou Pátañjali, que significa “aquele que caiu do céu durante a oferenda.” Páta significa caído e añjali, oferenda.

Como encarnação de Ádishesha, ele é representado com forma de nága, um ser metade homem, metade serpente, com quatro braços cujas mãos seguram os atributos de Vishnu: a concha e o disco e fazem o gesto da oferenda, añjali mudrá, abençoando aqueles que se aproximam dele procurando a verdade do Yoga.

Sobre a obra de Pátañjali existem tantas dúvidas quanto em relação à sua vida. Dançarinos fazem-lhe oferendas antes das apresentações, pois é tido como o patrono de algumas danças indianas. Alguns autores o identificam com o autor de um famoso tratado sobre Ayurveda, o sistema de saúde indiano. Outros, com Pátañjali ‘o gramático’, autor do Mahábháshya, o Grande Comentário da gramática de Pánini, em uso ainda hoje. Essa obra redefiniu as regras do sânscrito, aumentando o vocabulário e transformando esta língua num instrumento mais preciso e efetivo, e ao mesmo tempo mais sutil e poético, capaz de expressar qualquer aspecto do pensamento humano.

Entretanto, as evidências apontam para o fato de que os autores destas obras sobre filosofia, medicina e gramática seriam pessoas diferentes, pois a distância no tempo entre elas é de vários séculos. Comparando o Mahábháshya com o Yoga Sútra se chega à conclusão de que ambas as obras são excelentes na argumentação e as estruturas lógicas que propõem em seus respectivos temas, mas isso não torna os autores a mesma pessoa.

Todas as formas de Yoga que se praticam hoje em dia têm neste autor uma referência obrigatória. Assim sendo, outras três perguntas que surgem neste quadro são de índole mais inquietante ainda. A primeira: foi Pátañjali de fato o autor do Yoga Sútra? Em caso afirmativo, ele fez alguma contribuição original ao Yoga ou foi apenas o compilador e o sistematizador das técnicas que se usavam em seu tempo? E a última questão: ele teria feito parte de um sampradaya, uma linhagem tradicional ou teria sido um reformador?

Sobre a questão de ver este autor como um compilador, temos as duas seguintes situações: por um lado, o Nirodha Samhitá, shástra atribuído a Hiranyagarbha, tido como patrono do Yoga, é chamado com freqüência Yogánushasanam ou o ‘Ensinamento do Yoga’, exatamente as palavras com as quais Pátañjali inicia sua obra.

Segundo uma obra chamada Ahirbudhnya, Hiranyagarbha revelou o Yoga em duas escrituras: o Nirodha Samhitá e o Karma Samhitá. E, coincidentemente, Pátañjali usa o mesmo termo ‘nirodha’ para definir o Yoga no seu segundo aforismo.

Se ele fez alguma contribuição original ao Yoga não sabemos, mas com certeza podemos afirmar que citou copiosamente fontes anteriores a ele mesmo. Fontes essas que, infelizmente, hoje em dia estão perdidas.

A maior controvérsia diz respeito ao quarto capítulo dos Sútras. O estilo, o conteúdo e a extensão deste páda são diferentes do resto da obra. Nele se repetem assuntos já abordados nos capítulos anteriores. Nos três primeiros, o estilo em que se desenvolvem os temas é acessível e não dogmático. No quarto, entretanto, esse estilo muda. A voz que aqui fala, o faz desde o ponto de vista de alguém que viveu algo, a diferença do resto da obra, onde se ouve falar alguém que ainda está procurando.

Outro ponto escuro é que o terceiro capítulo conclui com a palavra iti, que significa ‘fim’ e é a maneira tradicional de encerrar um texto. Aqueles que defendem a unidade dos Sútras como eles estão hoje afirmam que o quarto capítulo é coerente com os outros três, enquanto que os críticos desta posição acham muito estranho ter uma obra com dois finais e consideram o último capítulo uma interpolação posterior.

Sobre as coisas que temos claras, podemos dizer, por exemplo, que algo chamado Yoga existiu com certeza muito antes do tempo em que Pátañjali viveu. Porém, as incertezas históricas em relação ao autor do Yoga Sútra são de pouca importância para quem deseja alcançar aquilo sobre o que a obra fala: tranqüilidade da mente e realização do espírito. Embora possamos questionar a autoria e a origem desta obra, ela é coerente e, como guia prático para a realização pessoal, se sustenta totalmente por si própria.

Extraído do Dicionário de Yoga.
Visite o site:

www.yoga.pro.br

 

Rua Gonçalves Dias, nº. 109 Pio Correa - Criciúma/SC
Clique aqui para
iniciar uma conversa